quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Sem título, sem nada


Insensato eu estar aqui, e viva. 

Insensato, isso de sobreviver: mas cá estou, na aparência inteira. 


Por onde vou deixo o rastro de um sangue denso e triste que não estancará jamais.


Sei e não sei que tudo isso é impossível, que a Morte é um abismo sem pontes no qual anseio mergulhar em busca de descanso.

Sobrevivo, mas pela insensatez dEla que reluta em levar-me.


Tenho a fadiga de muitos séculos. 

Outrora contentaria em deitar-me num sofá, cabeça em algum colo que me acolhesse, e naquele silêncio encontrar a paz. 

Mas estou cansada. 

Dilacerada no corpo, no coração e na alma, tendo renascido mil vezes pra morrer mil e uma, tenho saudade de mais paz do que todo o amor sem limites deste mundo poderia me dar.

Antes eu dizia estar triste, e sem motivo. 

O motivo agora sei: essa vida é um exílio e minha alma sente uma dor que nada consegue aplacar.

Por isso é preciso que eu parta.


Não digam que isso passa, não digam que a vida continua, que o tempo ajuda, que afinal tenho amigos e um trabalho a fazer. Não me consolem. Não digam que tenho livros a escrever e viagens a realizar. Não digam nada. Vejo bem que o sol continua nascendo nesta cidade onde vim lamber minha ferida escancarada. Mas não me consolem: da minha dor sei eu.


A Morte ainda não acredita em mim, ignora meus chamados, e talvez isso me salve por enquanto. 


Levantar-me da cama cada dia é um ato heróico, escovar os dentes, atender o telefone, tomar café. Mas faço tudo isso: falo, ando, recebo visitas. 


De algum secreto lugar me vem essa maldita força para erguer a xícara, de sair ao Sol, até sorrir quando alguém me diz: "Você hoje está com a cara ótima", quando penso se não doeria menos jogar-me de um penhasco.


Na frente do rosto afivelei a máscara para que os outros me suportem: atrás dela, o redemoinho do sangue da solidão borbulha sem parar. Minha dor ferve em mim: todo o resto é mentira.


Não me matei ainda, apenas porque não posso fazê-lo. Minha carne anseia pelo beijo cortante da lâmina libertadora. Beijo que não terá jamais. Talvez o último (enfim!) de uma grande lista de desejos irrealizáveis.


Só pela teimosia dos que esperam uma visita que não vem, reajo; penteio os cabelos, passo um lápis nos olhos, pois os amigos dizem que a vida continua. 

Eu, tudo o que queria era trocar o tempo que me resta e que pesa tanto por um instante em que pudesse repetir alguns momentos de felicidade. De tão distantes, nem mesmo alcanço a lembrança deles. Não tenho sequer o consolo das boas memórias.


Olhei-me longamente no espelho tentando encontrar uma réstia de luz no meu olhar, algum traço de vida em mim, e não achei nenhum. Entre as rugas a mais e olhar mais triste, não me reconheci. Perdi-me pra sempre, irremediavelmente. 


Deitei-me no chão e chorei amargamente por duas horas, sabendo que mesmo que chorasse dois anos ou dois séculos, eu não voltaria mais.


Hoje me escondo sob as aparências: a roupa está correta, o cabelo sem desalinho, nunca fui de grandes luxos. Todo mundo acha que estou indo muito bem, tendo em vista a brutalidade de tudo. Tudo mundo acha que estou indo muito bem, tendo em vista ter sobrevivido, golpe após golpe.

Mas já estou morta por dentro. Seca e estéril, após chorar até a última gota de lágrima que restava em mim.

Na verdade sou como um desses bichos a que arrancaram as entranhas e meteram estopa e palha corpo adentro para que pareçam vivos e até alertas.


A morte, velha amiga, me sorri: agora tem do seu lado pessoas que me foram tudo nesta vida. Tem mãos macias a velha senhora, traiçoeiras e leves mas reveladoras: anseio pelo dia que me recolherá também para debaixo do seu manto e haverá esplendor.


Nada deixo pendente: conheço mais a mim e aos outros; me entreguei a paixão até me consumir por completo em sua chama; aprendi a amar melhor a todos e entendi que a morte pode ser também um sonho. 


Mas não se iludam: esta que agora escreve, sorri, dança e tantas vezes quer morrer, não é a de antes: paixão e morte me derrubaram e caminham sobre mim com suas grandes patas quando ninguém percebe.


Não falem comigo. Principalmente, não me toquem. Não posso suportar o carinho, o calor, o abraço. Não consigo suportar nada que me dê algum fio de esperança. Não quero de novo ceder a uma migalha de sonho. Não me chamem. Não posso olhar pra trás. Não me recarreguem. Quero consumir-me.


Finjam que não vêem se tenho um jeito absorto e distraído, se me perco em melancolia, se não gargalho alto como antigamente, se pareço esgotada e sem graça como nunca fui. Façam silêncio ao meu redor. Não me interessa nada, nem o cotidiano nem o místico. Não quero discutir a economia nem a política nem os grandes mistérios da eternidade. Levo meu coração no peito como quem carrega nos braços para sempre uma criança morta.


Morte, minha amiga, que tanto desejo e anseio: quando se desfizer escura a noite desta vida, quero enxergar pelos teus olhos, amar através do teu amor as pessoas e as coisas que ficarão. 


E quando o meu ser se dissolver no todo, minhas cinzas se espalharem pela terra, e a lembrança do som do meu sorriso se calar na mente dos que ficaram, talvez então eu possa encontrar a paz, liberta da dor de ser eu.

domingo, 3 de novembro de 2019

Samhain

E chegou o dia em que o véu entre os mundos fica mais fino e os portais se abrem...

Antes de ir para o Samhain tive muita dificuldade de ir. Queria realmente ficar deitado e não estar com outras pessoas. Tomei um banho, fiz uns paranauês e consegui ir, mas assim que cheguei minha vontade inicial era ir embora. Só depois de um tempo consegui realmente estar ali e ficar calma. 

Durante o ritual o momento marcante foi o Círculo dos Mortos. Meu corpo tremia inteiro e eu fiquei bem mal. Foi a conta da Senhora da Face Pálida tocar minha testa e tudo isso chegar como aquelas ondas que te arrastam para o fundo da água. Demorei um pouco para conseguir colocar a oferenda no chão. Depois disso eu fechei os olhos e fui parar em um jardim florido e enevoado com muitas pessoas. Aqueles que se aproximaram de mim todos meus amados que partiram.  Neste momento eu derramei em lágrimas e comecei a falar de forma maluca e desordenada como se não tivesse tempo pra falar tudo o que precisava e eu chorava e falava, falei da minha dor, da vida, de como eu me sentia sozinha sem ter ninguém pra conversar, de como os amava. Joana sorriu e colocou as mãos sobre meus ombros e disse: 

“Minha menina, nada disso importa aqui onde estamos. O que importa é só a história dos atos que fizemos, então nada disso importa. Você sempre foi uma mulher maravilhosa, consciente e correta, mesmo cometendo erros. Mas agora você precisa largar este peso que foi colocado por nós e por outros nos seus ombros, precisa largar este peso do mundo que você carrega nas costas. Isso não é você. Já é hora de não ser mais definido por este peso que tanto te cansa. Essas feridas não te definem, isso não é você.”

Minhas avós então me disseram “Deixe aqui conosco este peso e daqui pra frente pense em você, viva por você, viva sua vida”. 

Eles me tocaram nos ombros, me abraçaram e nos despedimos. 

E ali no mundo dos mortos eu não queria voltar. Não estava ouvindo mais nada, só sentindo aquele local florido, ensolarado e calmo e eu deitei e não queria voltar. Por um momento eu não senti mais dor, medo, receio da opinião alheia, não senti mais depressão, mágoa, tristeza, nada, apenas paz. E eu não queria voltar, nada mais tinha importância eu só queria ficar ali deitada e dormir naquele local. 

Foi então que me veio o rosto da Morgana e eu vi a mão dela, só a mão no meio da nevoa e peguei. Voltei para este mundo e vi que todas as meninas tinham ido para o mundo dos vivos e parte dos meninos. Senti uma dor tão forte, um pesar tão grande, que eu caminhei no automático até a Deusa Donzela (Ishtara) que me disse que seria um ano de sucesso, e depois sentei no sofá. 

Morgana viu o quanto eu estava mal e me abraçou e neste momento eu chorei de novo, chorei muito. Eu estava de volta sentindo toda aquela dor novamente. 

Isso nunca tinha acontecido. Este pesar por estar vivo, pelo menos não com esta intensidade. Não foi o fato de reencontrar minhas amadas que partiram. Foi sentir a paz do mundo dos mortos e a dor de estar vivo. Eu nunca tinha sentido tão forte vontade de morrer como senti ontem. 

Uma pausa de descanso entre tanta coisa turbulenta que se passa dentro de mim, uma pausa de tudo isso que é a vida. E por isso foi tão horrível ser arrancado disso e voltar para a minha “corporeidade” e tudo o que faz parte. Esta experiência  me mostrou a complexidade e o tamanho da dor e cansaço acumulado que venho carregando.

Hoje estou me sentindo muito estranha, vazia. Vou apenas deixar fluir isso e depois pensar em tudo. 

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Pra quem fica, um consolo

Fiz um post no Face sobre suicídio.
Não será meu último post; mas espero que ele seja lembrado.
Espero que alguém entenda a mensagem que deixei subentendida: sigam em frente em paz! O que quer que eu faça comigo, ou o quer que aconteça com a vida, TUDO será culpa exclusivamente minha.

Nada me faltou. Nem amor, nem carinho, nem atenção. 
Pena que ninguém lerá essas palavras. 
Queria muito dizer que, depois da minha partida, a terra continuará girando e o Sol continuará nascendo a cada dia.
Que vocês chorarão um dia, uma semana, um mês e que depois a vida continuará como sempre.
Que a morte não é o fim pra quem fica.

Liberto todos vocês da culpa, meus amores! Levo comigo o carinho que recebi de vocês...

sábado, 26 de outubro de 2019

Me abraça

eu sempre vou ser essa pessoa sensível
que carrega suas crenças sobre os ombros e que busca ser o melhor para o outro, pois meus olhos e meu corpo estão cansados de só sentir as marcas que o mundo faz questão de deixar pela pele e que não são tão fáceis de superar. 
então, por favor, me abraça.
me abraça não como quem tem o poder de cura ou de entender essa bagunça que eu sou. 
eu sei que há coisas que soam como “pedir demais”, mas me toca. 
toca meu rosto como quem numa tentativa simples deseja apenas mostrar sua presença. 
enxuga a lágrima que teima em escorrer pelo meu rosto ou encosta minha cabeça no teu peito para que eu sinta o conforto de não estar só. 
deixa eu te sentir.
rasga o silêncio, mesmo que seja para falar que não sabe o que fazer. 
por favor, perceba que eu busco uma base onde possa descansar e que hoje, mais do que nunca, eu desejo achar em você.
ouça atentamente a batida do meu peito e sinta minha pele quente que evidencia o quanto eu quero apenas ser sua e seguir em paz.
me abraça.
por favor, me abraça. 
aperta meu corpo contra o teu enquanto eu digo que eu tenho medo de não saber lidar com tudo aquilo que sinto. me abraça enquanto eu sufoco meu grito de desejo por ti.
eu tenho buscado não me afogar nesse mar em ressaca de pensamentos ruins que teimam em impulsionar meu corpo para distante da razão. 
eu quero ficar bem, eu quero estar bem, eu quero sentir o conforto e respirar aliviado tendo a certeza de que tudo vai ficar bem, independentemente do que aconteça.

então, por favor, me abraça.
e não desiste de mim.

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Mas eu sou medo e desejo, eu sou feita de silêncio e som...

Cada voz que canta o amor não diz
Tudo o que quer dizer
Tudo o que cala fala
Mais alto ao coração
Silenciosamente eu te falo com paixão
Eu te amo calado
Como quem ouve uma sinfonia
De silêncios e de luz
Nós somos medo e desejo
Somos feitos de silêncio e som
Tem certas coisas que eu não sei dizer

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

De volta ao lugar de onde nunca saí

Poeira assentando
À minha vida as coisas vão voltando ao normal
A música acabou 
As luzes se apagaram 
O show chegou ao fim

O mundo gira 
A vida prossegue 
O tempo corre

Obrigada estou 
A enfrentar o vazio em mim
Não há mais lágrimas a chorar 
Não há mais sangue pra escorrer 
Não há mais lamento a gritar 
Sou corpo vagando em suspenso 
Pulsando indolor e inutilmente 
Até que se faça concreta
A morte que já existe dentro de mim

domingo, 15 de setembro de 2019

Sufocada pelo peso do silêncio

Não existiria som 
Se não houvesse o silêncio 
Não haveria luz 
Se não fosse a escuridão 
A vida é mesmo assim, 
Dia e noite, não e sim... 

Cada voz que canta o amor não diz 
Tudo o que quer dizer, 
Tudo o que cala fala 
Mais alto ao coração. 
Silenciosamente eu te falo com paixão... Eu te amo calado, 
Como quem ouve uma sinfonia 
De silêncios e de luz. 
Mas somos medo e desejo, 
Somos feitos de silêncio e som, 
Tem certas coisas que eu não sei dizer... 

A vida é mesmo assim, 
Dia e noite, não e sim... 
Eu te amo calado, 
Como quem ouve uma sinfonia 
De silêncios e de luz, 
Mas somos medo e desejo, 
Somos feitos de silêncio e som,
tem certas coisas que eu não sei dizer...  
E digo. 

Sem título, sem nada

Insensato eu estar aqui, e viva.  Insensato, isso de sobreviver: mas cá estou, na aparência inteira.  Por onde vou deixo o rastro...